MEMÓRIAS
VIC FIRTH

 

Em 1993, Vic Firth visitou o IBVF Brasil. Na ocasião, a baterista Vera Figueiredo e um dos professores, Roberto Capisano, o entrevistaram a respeito de como nasceu a Vic Firth Company e como se dava o processo de confecção das baquetas.


Após 50 anos como timpanista da Sinfônica de Boston, aposentou-se, em 2001. Vic Firth faleceu em 26 de julho de 2015, deixando muitos admiradores e amigos.


Para compor esse espaço de memória do IBVF Brasil, replicamos a entrevista.

Vic Firth, primeiro tímpano da Sinfônica de Boston e proprietário da principal fábrica de baquetas do mundo, revela alguns segredos sobre a fabricação das baquetas de sua marca e fala sobre sua carreira.


IBVF: Onde e quando o senhor nasceu?
VIC: Nasci em Boston, Massachussets, em 1930.


IBVF: Quando o senhor começou a tocar?
VIC: Aos quatro anos. Eu tinha uma corneta e tocava muito mal. Eu venho de uma família de músicos. Meu pai era trompetista nos estúdios de Hollywood, fazia trilhas sonoras. Ele percebeu que os companheiros que ganhavam muito dinheiro eram arranjadores. Então, quis que eu também fosse um. Aí eu tive aulas de trompete, clarineta, trombone, piano eu toco mal. Bateria parecia ser o instrumento para o qual eu mais levava jeito. Então, voltei para ela por volta dos dez anos. Aos quatorze, eu tocava em uma big band formada por dezessete, dezoito músicos. Lá eu tocava vibrafone e bateria, também fazia todos os arranjos. Eu copiava os arranjos das big bands da época, como Count Bessie.

Boston ficava do outro lado da rua. Eu não tinha ideia de quem eles eram. Eu vinha de uma pequena cidade do Maine e nunca tinha ouvido falar na Sinfônica de Boston. Eles tinham um programa especial de verão. Eu entrei nesse programa e me interessei por música clássica por volta dos dezoito anos. Fiquei tão entusiasmado que nunca mais toquei bateria. Assim, fui perdendo, pouco a pouco, a habilidade. O que os bateristas fazem hoje é tão incrível, que eu digo a eles “vocês querem me ver tocando bateria? OK...”, damos boas risadas, mas sou eu quem ri por último ao ouvi-los tocar tímpano.


IBVF: Desde quando o senhor toca na Sinfônica de Boston?
VIC: Eu entrei quando tinha 20 anos.


IBVF: Como surgiu a fábrica Vic Firth?
Vic: Eu comecei a fazer baquetas há trinta anos. No começo, eu não tinha minha própria fábrica, mas um amigo em Montreal, Canadá, que era dono de um torno de madeira. Eu costumava mandar meus protótipos para ele, que fazia as baquetas à mão e me mandava de volta. Eu mesmo cortei a madeira das primeiras baquetas que confeccionei, a partir de um par já existente. Então, pedi a um torneiro que fizesse dez pares. Nós começamos bem pequenos e fomos crescendo aos poucos.


IBVF: Hoje, quantos pares de baquetas são produzidas por semana?
VIC: De cinquenta a cem mil, incluindo não só baquetas para bateria, mas de todos os tipos e para todos os instrumentos de percussão.


IBVF: Que tipo de madeira é usado na confecção das baquetas?
VIC: Nós temos uma instalação no Tenessee, de onde obtemos toda madeira tipo hickory. A boa hickory cresce somente no sul dos Estados Unidos. Nós temos uma plantação no Maine, Massachussets, da madeira maple. O depósito e a fábrica ficam a uma distância de quatro horas de carro um do outro. Todos os dias, na parte da manhã, um caminhão vai da fábrica até o depósito para entregar as baquetas. Dependendo da minha disponibilidade, vou até lá de uma a sete vezes por mês. O gerente da minha fábrica é muito bom. Nós trabalhamos unidos, e nos falamos por telefone ou via fax várias vezes por dia.


IBVF: O senhor controla cada etapa do processo de fabricação?
VIC: Sim. Nada vai a lugar algum sem passar por Boston primeiro. Tudo é feito no Maine, mas é verificado no depósito, para que não haja qualquer tipo de defeito.
Há oito salas com computadores e paredes com aberturas em frente a eles. Um baterista forma os pares. Primeiro ele pesa as baquetas e as informações vão para o computador. Há uma pedra coberta com material especial em frente a um microfone. O microfone grava o pitch (graves, médios e agudos), a curvatura, a densidade e a umidade, e os dados vão para o computador. O baterista pega a baqueta e a coloca na abertura da parede. Esse é o procedimento para cada baqueta. No chão ele tem um pedal. O computador agora tem todas as propriedades de cada baqueta. Ele pisa no pedal e o computador diz, por exemplo, se a que está na abertura 1 e a da 39 são exatamente iguais. Então, esse se torna o primeiro par. Depois, ele indica que a baqueta 2 forma par com a 70, a 3 com a 10... Toda baqueta passa pelo processo do computador. 

IBVF: Não há como uma baqueta ruim ser reaproveitada?
VIC: Não. Essas eu levo para casa e coloco na lareira. Eu queimo milhares de baquetas por ano.


IBVF: É muito dinheiro que se perde?
VIC: Eu não quero fazer uma segunda linha. O Rolls Royce só tem um modelo. Eles não fazem outro. Eu prefiro sempre fazer o melhor. Tenho alunos que vão à minha casa, onde há um grande recipiente para guardar as baquetas, antes de queimá-las. Eles perguntam se podem levá-las, mas eu não deixo, porque se eles querem baquetas eu lhes dou as boas. Não quero as baquetas defeituosas circulando por aí, porque alguém vai ver que são Vic Firth, e isso eu não quero.


IBVF: Quanto tempo leva para fazer uma baqueta, desde o corte da madeira até o produto final?
VIC: Demora um longo tempo, de seis a oito meses. O que fazemos é levar, diariamente, de seis a oito troncos para a serraria. Corta-se a casca do tronco e, depois, em pedaços de dez pés de comprimento. Os pedaços de madeira têm de ir para o forno por uns cinco dias, para secá-la ou para controlar o nível de umidade da madeira, conforme a necessidade. Então, temos uma ripa que vai virar uma baqueta.

Cada baqueta deve ter a umidade certa para obter o peso e a flexibilidade ideal. Havendo muita umidade, é possível até mesmo dobrá-la. Nós temos as baquetas ‘air heads’, sem qualquer umidade. Você a segura e ela não pesa nada. A árvore estava morta e o computador rejeita essas baquetas. Se você disser ao computador que está formando um par de 5A, e que este modelo está entre este ou aquele padrão de umidade, peso e balanço, e colocar uma 5B ele não consegue formar um par. Ele não aceita. Se você quiser formar um par de Rock e colocar uma 5A, o computador rejeita. Somente as Rock ele aceita. Quem está formando os pares não tem como errar. Por isso as baquetas nas embalagens são realmente o par perfeito. O único modo de haver um erro é se alguém na loja misturar os pares. Senão, o par tem sempre o mesmo som; o mesmo ‘pitch’.


IBVF: Como é feito o acabamento das baquetas Vic Firth? Há algum tipo específico de produto usado para que elas não escorreguem com o suor das mãos?
VIC: Quando a baqueta é torneada, você tem a madeira crua. Alguns bateristas gostam dela desse jeito, sem nada, e nós a deixamos assim. O que fazemos é colocar uma camada de uma solução bem fina, que nem se percebe existir. Ela mantém a umidade que deve haver na baqueta e evita que mais umidade penetre na madeira. Se quando você toca está muito seco, este produto evita que a umidade saia da baqueta, pois isso a tornaria muito leve. Quando está muito úmido, ele impede que essa umidade penetre na baqueta. Além desse produto, há uma cera. Quando você toca, sua mão esquenta e ela fica um pouco pegajosa. Assim, a baqueta não escorrega. Além disso, a cera evita que a baqueta fique suja, devido à poeira das mãos, do ar. 
Por ser um baterista, conheço os problemas e necessidades. A maioria dos fabricantes nunca foi baterista na vida. Eles apenas entram no negócio ou são músicos amadores. Mas eu tenho muita experiência prática e realmente sei quando um baterista fala do som que está procurando no prato, no tom. Enfim, não querendo me gabar, mas sim por ter tocado tantos anos, eu sei de todos os problemas. Mas sempre há uma solução e você quer encontrá-la, o mais rápido possível.


IBVF: As pontas das baquetas são outro problema. Elas não duram muito. Você toca algumas vezes e a ponta estraga.
VIC: Isso é porque muitos dos fabricantes não usam uma madeira boa. Nós pagamos pela melhor. Eu tenho que selecionar a madeira que mandam do Tennessee. É minha própria fábrica, mas tenho de jogar muita madeira fora. Quantas vezes eu não fui ate lá e disse para que vendessem esse tipo de madeira para quem faz ferramentas, cabos para martelos etc. Eu jogo muita madeira fora e, por isso, essas baquetas são tão boas. Tem gente que usa qualquer madeira para fazer baquetas. Então, algumas saem boas e outras não.


IBVF: Como o senhor escolhe os endorsers Vic Firth?
VIC: Nós temos um ótimo programa para endorsers. Quando as coisas começaram a crescer, as pessoas que trabalhavam comigo me perguntavam por que eu não fazia propaganda, não tinha endorsers ou promovia clínicas. Eu respondia “não sei”. Eu ainda não tinha pensado em como fazer isso e pensei em quem poderíamos ter como endorser.
Eu conhecia todos os bateristas, alguns deles tinham estudado comigo. Então, pensei: quem é o melhor baterista, o mais popular no momento? Steve Gadd! Esse é um bom endorser. Então, liguei para o Steve e ele aceitou. Em seguida, foi o Harvey Mason, que estudou comigo durante quatro anos, no conservatório. Convidei-o e ele também aceitou. Foi assim que começou. Logo, todos ficaram sabendo. Daí veio o Omar Hakim, Alex Acuña, que já é endorser há um bom tempo. Steve Smith, Dave Weckl, entre outros.


IBVF: Deixe uma dica aos estudantes de bateria. Algo que você considera de grande importância para nos aprofundarmos neste instrumento.
VIC: Do método Stick Control, as combinações de batidas simples.